Ruínas de São Miguel Arcanjo - 7 Povos das Missões - RS
Enfrentamento para sobreviver. Assim é o sul que tenho conhecido. Lugar de tantos conflitos históricos e povos tão distintos. O passado aqui é presente e o enfrentamento está no dia-a-dia das pessoas que ainda carecem lutar para sobreviver. A geografia, o clima e a história nos mostram que “enfrentar” e “seguir em frente” faz-se necessário, pois o perigo é iminente. Viver é perigoso. Érico Veríssimo retratou muito bem esse enfrentamento nas suas histórias romanceadas, com muita poesia e passionalidade de seus personagens, tão reais e tão criados. E por falar em passionalidade, eis que a Espanha está no Rio Grande do Sul, assim como Portugal está no Rio de Janeiro. (comparação minha). O Rio Grande do Sul começou espanhol e São Miguel das Missões mergulha nessa certeza. Viajantes amantes de história, tenho que dizer: foi um presente descobrir esse roteiro. Tomei conhecimento a pouquíssimo tempo que minha bisavó era índia e meu bisavô era espanhol. O que me causou um frisson danado, considerando minha paixão pela Espanha, a incessante curiosidade sobre a história e religiões e a necessidade de entendimento dessas misturas do Brasil. Eu estive lá. Eu vi.
As Missões
No Brasil tivemos os Sete Povos das Missões. O Tratado de Tordesilhas dividia as terras entre Portugal e Espanha e o Rio Grande do Sul pertencia à Espanha, onde existiram os 7 Povos das Missões. Eles ficavam em São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio, todos fundados entre 1682 e 1.700. Essas Missões também protegiam o povo indígena que constantemente era ameaçado e escravizado pelos bandeirantes portugueses na região, apesar da região ser da Espanha.
Dos 7 Povos das Missões, São Miguel Arcanjo está muito preservado sendo o mais importante sítio arqueológico no estado e declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, junto com ruínas no Paraguai, Argentina e Bolívia. A organização urbanística de uma Missão (em cruz) tem uma lógica social e administrativa impressionantes: A praça era o ponto central onde havia jogos, reuniões desfiles militares, discussões e debates. O Conselho dos Caciques (que representava os interesses de seus grupos indígenas e tomavam decisões conjuntas para o povoado) ficava bem à frente da praça e da Igreja. Nesses povoados tinham tudo: cultivo, escola, impressão de livros e até observatório astronômico. As famílias eram organizadas em casas privadas e divididas de acordo com a estrutura familiar. O objetivo era evitar a poligamia. Cada casa abrigava uma quantidade máxima de pessoas. As mulheres e crianças sem família tinham moradias separadas (para evitar a violência). A rua central era o meio da cruz. A igreja (construída pelo padre João Batista Primoli) teve somente trabalhadores na construção operários indígenas.
Cada família tinha seu pedaço de terra para cultivo e também produzia no cultivo coletivo. Essa ideia de uma sociedade colaborativa por um tempo funcionou. Mas Portugal e Espanha, sempre em conflito, decidiram uma partilha. Lá pelos idos do século XVIII, é assinado Tratado de Madri (1750) que trocava a região dos 7 Povos das Missões para Portugal e da Colônia do Sacramento para Espanha.
Os Jesuítas espanhóis e indígenas tinham que se retirar, porém, essa não era a vontade deles. Portugal e Espanha se unem para combatê-los, culminando a famosa Guerra Guaranítica que, lamentavelmente, dizimou toda uma história, os índios e deixou um rastro de destruição e sangue. A Companhia de Jesus foi expulsa de terras portuguesas e espanholas. Fim do modelo missioneiro. Meados de 1800 Portugal anexou o Rio Grande do Sul, encerrando o ciclo espanhol no Brasil e os 7 Povos das Missões foram incorporados ao território.
Toda essa história me foi contada pela Vera Lucia Dreilich, uma guia apaixonada. Caminhando pelas ruínas, ficamos amigas pela história.
SEPE TIARAJU – O Herói das Missões Ele ainda vive em todos os cantos da cidade. Sepé nasceu em uma aldeia que foi atacada quando criança, deixando-o órfão. Os guaranis levaram-no para uma aldeia dos Sete Povos das Missões, onde foi adotado. Seu avô adotivo era um pajé muito poderoso e ele foi preparado para ser um pajé, mas acabou se tornando um guerreiro por causa da sua memória de revolta com os homens brancos. Foi o grande líder da Guerra Guaranítica (de 1753 a 1756) que teve como estopim o conflito frente à assinatura do Tratado de Madrid por Portugal e Espanha e a expulsão dos índios da região. Sepé Tiaraju é lembrado grande líder e guerreiro, que enfrentou Portugal e Espanha e ficou famoso pela frase “Esta terra tem dono”, como resposta à expulsão declarada. Em 1756, na batalha de Caiboaté, Sepé Tiaraju morreu em combate, provavelmente numa emboscada. Depois disso, a história e a lenda se confundem: seu corpo nunca foi encontrado.
E onde entra Lúcio Costa?
E olhando a maquete da organização da Missão observei que a ideia da cidade em cruz com uma organização social e urbana me lembraram muito a cidade que o próprio Lucio Costa projeto urbanisticamente (Brasilia). Não posso afirmar se houve inspiração porque não vi nada registrado na história de Brasília, mas estou bem convencida dessa possibilidade.
O consumo tentou ser proibido pelos jesuítas, mas mudaram de ideia porque era melhor manter o consumo da erva-mate para descontinuar o consumo de bebidas alcoólicas pelos índios. Essa era uma bebida de coletividade e compartilhamento dos índios em rituais comunitários. E vamos nos manter atentos, pois o Valter está ficando mais famoso: ele irá carregar a tocha olímpica na abertura das Olimpíadas junto com um Cacique, saindo das ruínas de São Miguel. Pensa num homem feliz?
E Como chegar nesse paraíso?
O acesso de ônibus é possível, de Porto Alegre até Santo Ângelo O ideal é fazer o roteiro completo das Missões que inclui Argentina e Paraguai, além do Brasil. A Missões Turismo, do sr. Antonio Camargo oferece esse serviço com muita qualidade e simpatia. Ele mesmo é uma história viva. Cada minuto de prosa, uma vida inteira.
Mesmo de carro, fazer esse roteiro sem guia não vale a pena. A riqueza de detalhes da história é o ponto alto da viagem. Caso contrário, seriam só belas fotos.
É isso, meus amigos, o que encontrei nessa viagem tão perto e tão profunda de conhecimento?
*esta frase, na verdade, é o nome de um livro que minha professora de flamenco e amiga Ana Medeiros me indicou há algum tempo. Essa busca pela história e pelas conexões faz parte desse livro que aborda as Constelações Familiares. Ainda não li o livro, mas essa frase não me sai da cabeça.
Ola!!!! sim, fiquei no Tenondé....em São Miguel só tem 2 lugares de hospedagem...a Pousada das Missões e o Tenondé. Hospedagem muito boa.
ResponderExcluirOi Andréa, parabéns! Ficou tudo muito lindo e as fotos então!!! Foi maravilhoso, vc me contou muitas histórias tb! Grande abraço Missioneiro!Véra- Guia de Turismo
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