19 junho, 2016

domingo, junho 19, 2016

PERU e MACHU PICCHU – Quanto mais longe de casa, mais se aprende!

Posterguei 3 anos o desejo de conhecer o Peru. Foram 9 dias intensos. Voltei de lá com a certeza que esse é um daqueles destinos que merece ser visitado pelo menos 1 vez na vida, mas esse não é um destino recomendado para quem nunca viajou para fora do país.
Vi muitos jovens mochileiros em grupos ou sozinhos. Vi muitas pessoas experientes desbravando. É muito desapego e adequado para pessoas que querem algo diferente e exótico. Não é uma viagem que descansa, pelo contrário, o retorno para casa é transbordando de vontade de mudanças a serem feitas na vida pessoal. Extasiada, confortada, surpresa e cansada. Não há como fazer essa viagem e voltar do mesmo jeito. 
O Peru é para caminhar, experimentar, ouvir e sentir a energia que emana de Cusco e toda a região que foi um Império à frente do seu tempo e que vem sendo redescoberto pelo mundo. Ouvi de vários nativos que foi importante a conquista espanhola, mesmo na tentativa de destruição do Império Inca (o que não ocorreu de fato), porque no futuro, seriam redescobertos e valorizados.
O que me faria voltar várias vezes foi descobrir um povo que acolhe com sua bondade e felicidade, respeitando e valorizando as forças da natureza e reverenciando a mãe terra, Pachamama: - que lhes dá o sustento de vida. O sorriso estampa em todos os lugares, a leveza de alma é o que melhor o define. Um povo tão esperançoso e cheio de gratidão pelo que a terra proporciona de sustento, pelas forças da natureza e pela sua história.
Como falar do Peru sem falar da história dos Incas, dos espanhóis, da religião politeísta naturalista, arquitetura, matemática...enfim...decidi escrever o que vi, pois a história está mais do que contada e recontada. Compartilho não meus conhecimentos, mas meus olhos, com a certeza da generosidade que vi lá.
O Peru é famoso pelo Império Inca (filhos do sol), considerado o maior Estado da América pré-colombiana, resultado da conquista de várias civilizações andinas no séc. XIII. Apesar da sua hegemonia e inovações, foi um Império de vida curta (cerca de 100 anos), onde se estendia pelo Equador, Bolívia, Argentina, Chile e Colômbia. A administração central era em Cusco (em quíchua, "Umbigo do Mundo"). Nesses 100 anos, atribui-se aos Incas grande desenvolvimento e descobertas na irrigação, agricultura, arquitetura e construção, astronomia e matemática. Tudo era compartilhado e servido à população que produzia e trabalhava para aprimorar cada vez mais esse modelo social. Um exemplo de socialismo ideal, à luz da religião politeísta, identificada pela dualidade: bem e mal, claro e escuro, luz e sombra...ou seja...a busca do equilíbrio entre as forças criadoras.
Ouvi de alguns nativos que a conquista espanhola não foi resistida pelos Incas num primeiro momento. Pizarro já tinha tido contato com os Incas em 1526. Eles contam que os Incas esperavam o grande Deus (trovão) chegar por mar. Quando Pizarro e conquistadores chegaram com seus canhões, supõe-se que teriam sido recebidos como deuses, porém, ao longo da conquista espanhola, o Império Inca percebeu que estava sendo dizimado e explorado e a guerra era inevitável. Não havia ouro e prata que satisfizesse a Espanha. Em 1532 Pizarro derrotou e capturou o ultimo imperador inca Atahualpa. Exigiu ouro e prata em troca da libertação e, mesmo tendo recebido a recompensa, Atahualpa foi executado e Pizarro conquistou definitivamente o império, estabelecendo o domínio Espanhol e a igreja católica como religião oficial. 
A Lima que conheci é lindamente cinza

Encantadora e cinza. O Centro Histórico é onde se concentra o maior acervo da colonização espanhola. O ponto de partida é a Praça das Armas e a Catedral, cuja inspiração é na Catedral de Sevilha, rapidamente percebida pelos azulejos mouros. O Convento de Santo Domingo e Santa Rosa é onde estão expostos pertences e história de mártires, como por exemplo, São Martim de Porres, um religioso, enfermeiro e santo peruano que se dedicou a caridade. E ali pertinho, a Igreja de São Francisco. A história da conquista espanhola se repete: a catedral, o governo e a praça. Miraflores é muito agradável, ideal para hospedagem porque fica longe do caos do centro histórico e do transito (que me assustou muito), pois é caótico mesmo no sábado, não há como fugir. Apesar dos ares de grande cidade super populosa, não me senti insegura e tão pouco vi violência urbana. 
Miraflores é um bairro calmo e cosmopolita. Além do shopping Larcomar, que fica à beira do pacífico com restaurantes maravilhosos, há uma ciclovia onde, caminhando, chega-se ao Parque do Amor com as esculturas e monumentos que muito lembram Gaudi. A Calle Larco merece uma manhã inteira de exploração e compras no centro de artesanato. Lima me conquistou pela gastronomia: Ceviche e Pisco, que só de lembrar, a boca saliva. Uma sugestão de quem vai pela 1ª. vez: O tour com o ônibus aberto é muito bom e vai até Barranco (bairro boêmio e intelectual). Contrate um transfer/receptivo do aeroporto ao hotel e hotel para aeroporto (não é luxo, é necessário) para não sofrer o stress dos taxis (o valor tem que ser negociado na hora).



Cusco 3400 metros de altitude e é azul!

A aterrisagem em Cusco é lindíssima e dá medo. Chegada com chá de coca. Senti a diferença de altitude imediatamente. Muito sono, muito cansaço e recomendo no 1º. dia fazer comer algo leve para se acostumar. Os hotéis carinhosamente recebem o turista com chá de coca e muita simpatia. O centro de Cusco é um museu inca e espanhol a céu aberto. Percebe-se claramente a influência da igreja Católica por onde os espanhóis passaram, mas não conseguiram descaracterizar a cultura Inca. O mercado de São Pedro é uma atração imperdível.

Lá a gente tem contato imediato com a gastronomia e cultura local: Cuy (porco da índia que é assado num espeto) é bem popular, o Choclo com queso tem que ser provado e a inka cola faz muito sucesso. E o ceviche continua no topo da lista.
Cusco tinha o desenho de um puma deitado que representava ser o guardião das coisas terrenas. E a cada ponto desse puma era uma local sagrado, onde hoje são sítios arqueológicos. Esses pontos são muito parecidos com os pontos dos chacras. Koricancha (genitais do puma) foi onde os espanhóis construíram o convento dominicano Santo Domingo. Era todo fechado de ouro que obviamente foi saqueado. Hoje é um desses sítios arqueológicos. Lá se rendia homenagem ao maior deus inca o "Inti" (o sol). 

Sacsayhuamán (cabeça do puma) é outro sítio onde se realiza a festa de 24 de junho, no solstício de inverno, o ritual de culto ao deus sol ou Inti.
Com a conquista espanhola, a arquitetura ficou mesclada com a arquitetura inca, onde várias sobreposições são percebidas. Houve um terremoto em 1950 que destruiu muitas coisas, mas os nativos contam que tudo que era de construção Inca se manteve de pé e o que era espanhola ruiu. Isso se vê claramente na construção de padres dominicanos sobre o Templo do Sol: a parte Inca ficou e a dos padres se foi. 


As cores do Peru são maravilhosas e é impressionante conhecer a produção de lãs e a extração de cores de sementes e pedras.







Vale Sagrado, onde a energia emana de todos os lados.
O Vale Sagrado é conhecido por rios que descem pequenos vales. São vários sítios arqueológicos e povoados. Os incas estabeleceram aqui as experiências agrícolas por causa das variações geográficas e climáticas do local. Foi um dos principais pontos de produção de milho no Peru.  
Ollantaymbo possui terraços agrícolas e templo do sol. As casas são de pedras da época inca. E em Maras, as salineiras são uma beleza à parte. Essas salineiras recebem águas salgadas debaixo das montanhas que jorram e formam as piscinas para extração do melhor sal. Cada poço de sal pertence a uma família e vai passando para os descendentes. 




Pisac tem suas ruínas que foram posto militar, por isso estão no topo das montanhas. Moray foi estação agrícola experimental. O que me deixou muito confusa: com tanto conhecimento já desenvolvido na produção agrícola e hidráulica pelos incas, porque nós ainda tentamos inventar o que já foi inventado?
A parada no museu Inkary é o ponto alto. Aqui tive uma aula de história sobre as civilizações andinas e a conquista Inca, bem como a explicação para os desenhos de Nazca. Se os deuses eram astronautas, não sabemos, mas que há uma escultura pré-colombiana de um astronauta é fato.



Aguas Calientes, a um passo de Machu Picchu

O trem parte de vários pontos e chega até Aguas Calientes. Eu preferi pernoitar para seguir à Machu Picchu bem cedo. Aproveitei e conheci o clube de águas termais medicinais. Um local rodeado de montanhas e que é muito frequentado pelos nativos. Águas Calientes é somente um ponto de parada com hotéis e restaurantes para quem vai seguir Machu Picchu.

Machu Picchu 2430 metros de altitude e onde Deus sentou para admirar a criação

Às 6 da manhã segui para Machu Picchu (em quíchua Machu Pikchu, "velha montanha") também chamada "cidade perdida dos Incas", pré-colombiana muito bem conservada (os espanhóis nunca chegaram lá, por isso ela mantém suas origens Incas sem interferência). Está localizada no topo de uma montanha, a 2400 metros de altitude, no vale do rio Urubamba. Foi construída no século XV, e foi redescoberta em 1911 por um inglês Hiram Birgham. Mas antes disso, muitos nativos já sabiam da existência dessa cidade e foram esses nativos que ajudaram Hiram Birgham a encontrá-la porque estava coberta pela vegetação. São mais de 200 sítios arqueológicos, mas apenas cerca de 30% da cidade é de construção original. Há muitas versões sobre a cidade: teria sido um local construído com o objetivo de supervisionar a economia das regiões, refugio do Imperador Inca, reduto das Virgens do sol, escola de sábios, centro astronômico e enérgico do planeta, enfim...Machu Picchu era para aprender, se conectar aos deuses, repensar e retornar, já prescreviam os Incas. 
O caminho por Machu Picchu é exaustivo e exuberante. Há que subir muito e com guia a caminhada vem completa de história: áreas agrícolas com grandes terraços e locais de armazenamento, área urbana com seus templos sagrados, praças e mausoléus reais. Toda a organização e estrutura da cidade faz com que haja a passagem do deus sol.
Para os Incas, existiam 3 níveis espirituais: o mundo de cima (representado pelo Condor e considerado um animal sagrado e guardião do mundo de cima), tinha a missão de carregar os mortos para o mundo de cima ou dos espíritos. Havia o mundo do meio ou dos homens (representado pelo puma) e o mundo de baixo ou dos mortos (representado pela serpente). A serpente representa o cérebro responsável pelos instintos e sobrevivência, o puma é responsável pelas emoções e sociabilidade e o condor a capacidade de voar, o que transcende. Diferente do mundo ocidental os incas buscavam uma visão integrada da realidade, dentro de um contexto indígena (xamanismo), segundo o qual o universo é uma grande teia de aranha que um leve toque altera tudo em sua rede. Visão holística do universo. 

 Segundo a tradição andina, o equilíbrio energético se dava pelo estimulo ao prazer e plena satisfação humana em todas as áreas, inclusive no trabalho; Aceitação das carências afetivas para abertura ao amor: aprender a amar incondicionalmente e para os problemas da mente, simplicidade: nas pequenas coisas e a compreensão do todo. Ou seja, tudo o que falamos e buscamos no séc. XXI era uma prática para a filosofia inca: Transformação pessoal, pois a chave está dentro de nós. Estamos redescobrindo essa filosofia atualmente né?
Quantas portas e passagens, quantas subidas e degraus fotografei. A recomendação de todos os guias era “não carregue peso”. Com licença aos poetas e intelectuais, essas portas e passagens levavam a uma imensidão e essas subidas e degraus exaustivos levavam a contemplação de cima, do topo, de tudo. Excelente chance para reflexão sobre o tempo que temos de vida: seria tão mais leve de se viver entrando pelas portas e passagens e seguir subindo cada degrau para a contemplação do todo, com o mínimo de peso das costas, afinal, não se leva nada dessa vida: essa não é a máxima de envelhecer com sabedoria? Temos muito que aprender com essa ancestralidade. Voltei do Peru assim: com uma vontade de envelhecer com sabedoria, e ainda tanto que aprender.
Obs. 1: aprendi muito da história com os guias que me acompanharam, mas o livro “a ciência sagrada dos incas – KAW.RIBAS, gentilmente emprestado pelo amigo Frank vilela, foi fundamental para compor esse texto.
Obs. 2: viajantes são vizinhos. Eis que tive a grata alegria de encontrar uma amiga que conheci em outra viagem. Obrigado Maiara Jacobucci pelas risadas e Piscos. Conheci a Suzana Val de São Paulo que, assim como eu, viajava sozinha e me encantou sua juventude e deslumbramento. Suzana me renovou.
Obs. 3 : A Dayse da New Age sabe muito de personalizar viagens!


18 março, 2016

sexta-feira, março 18, 2016

Ruínas de São Miguel Arcanjo - 7 Povos das Missões - RS

Em frente e enfrentamento.
Seguir em frente sem deixar o passado. 
Enfrentamento para sobreviver. Assim é o sul que tenho conhecido. Lugar de tantos conflitos históricos e povos tão distintos. O passado aqui é presente e o enfrentamento está no dia-a-dia das pessoas que ainda carecem lutar para sobreviver. A geografia, o clima e a história nos mostram que “enfrentar” e “seguir em frente” faz-se necessário, pois o perigo é iminente. Viver é perigoso. Érico Veríssimo retratou muito bem esse enfrentamento nas suas histórias romanceadas, com muita poesia e passionalidade de seus personagens, tão reais e tão criados. E por falar em passionalidade, eis que a Espanha está no Rio Grande do Sul, assim como Portugal está no Rio de Janeiro. (comparação minha). O Rio Grande do Sul começou espanhol e São Miguel das Missões mergulha nessa certeza. Viajantes amantes de história, tenho que dizer: foi um presente descobrir esse roteiro. Tomei conhecimento a pouquíssimo tempo que minha bisavó era índia e meu bisavô era espanhol. O que me causou um frisson danado, considerando minha paixão pela Espanha, a incessante curiosidade sobre a história e religiões e a necessidade de entendimento dessas misturas do Brasil. Eu estive lá. Eu vi.

As Missões
Conhecidas como “Uma utopia do Cristiano em construir uma terra sem males”, foi uma realidade. Foram 30 missões espanholas jesuítas (entre 1600 a 1700) distribuídas na Argentina (15), Paraguai (8) e Brasil (7), que existiram com o propósito de “civilizar” e “catequizar” índios Guaranis que tinham migrado para o Sul do país. Os Jesuítas se instalavam com as missões cujo modelo de organização social permitia preservar os valores indígenas e estabelecer códigos de ética que proporcionavam uma melhor aproximação deles com o “homem branco” e ainda doutrinava-os para o cristianismo.
No Brasil tivemos os Sete Povos das Missões. O Tratado de Tordesilhas dividia as terras entre Portugal e Espanha e o Rio Grande do Sul pertencia à Espanha, onde existiram os 7 Povos das Missões. Eles ficavam em São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio, todos fundados entre 1682 e 1.700. Essas Missões também protegiam o povo indígena que constantemente era ameaçado e escravizado pelos bandeirantes portugueses na região, apesar da região ser da Espanha. 
Dos 7 Povos das Missões, São Miguel Arcanjo está muito preservado sendo o mais importante sítio arqueológico no estado e declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, junto com ruínas no Paraguai, Argentina e Bolívia.  A organização urbanística de uma Missão (em cruz) tem uma lógica social e administrativa impressionantes: A praça era o ponto central onde havia jogos, reuniões desfiles militares, discussões e debates. O Conselho dos Caciques (que representava os interesses de seus grupos indígenas e tomavam decisões conjuntas para o povoado) ficava bem à frente da praça e da Igreja. 

Nesses povoados tinham tudo: cultivo, escola, impressão de livros e até observatório astronômico. As famílias eram organizadas em casas privadas e divididas de acordo com a estrutura familiar. O objetivo era evitar a poligamia. Cada casa abrigava uma quantidade máxima de pessoas. As mulheres e crianças sem família tinham moradias separadas (para evitar a violência).  A rua central era o meio da cruz. A igreja (construída pelo padre João Batista Primoli) teve somente trabalhadores na construção operários indígenas.  

Cada família tinha seu pedaço de terra para cultivo e também produzia no cultivo coletivo. Essa ideia de uma sociedade colaborativa por um tempo funcionou. Mas Portugal e Espanha, sempre em conflito, decidiram uma partilha. Lá pelos idos do século XVIII, é assinado Tratado de Madri (1750) que trocava a região dos 7 Povos das Missões para Portugal e da Colônia do Sacramento para Espanha. 
Os Jesuítas espanhóis e indígenas tinham que se retirar, porém, essa não era a vontade deles. Portugal e Espanha se unem para combatê-los, culminando a famosa Guerra Guaranítica que, lamentavelmente, dizimou toda uma história, os índios e deixou um rastro de destruição e sangue. A Companhia de Jesus foi expulsa de terras portuguesas e espanholas.  Fim do modelo missioneiro. Meados de 1800 Portugal anexou o Rio Grande do Sul, encerrando o ciclo espanhol no Brasil e os 7 Povos das Missões foram incorporados ao território. 
Toda essa história me foi contada pela Vera Lucia Dreilich, uma guia apaixonada. Caminhando pelas ruínas, ficamos amigas pela história.
SEPE TIARAJU – O Herói das Missões 
Ele ainda vive em todos os cantos da cidade.  Sepé nasceu em uma aldeia que foi atacada quando criança, deixando-o órfão. Os guaranis levaram-no para uma aldeia dos Sete Povos das Missões, onde foi adotado. Seu avô adotivo era um pajé muito poderoso e ele foi preparado para ser um pajé, mas acabou se tornando um guerreiro por causa da sua memória de revolta com os homens brancos.  Foi o grande líder da Guerra Guaranítica (de 1753 a 1756) que teve como estopim o conflito frente à assinatura do Tratado de Madrid por Portugal e Espanha e a expulsão dos índios da região. Sepé Tiaraju é lembrado grande líder e guerreiro, que enfrentou Portugal e Espanha e ficou famoso pela frase “Esta terra tem dono”, como resposta à expulsão declarada. Em 1756, na batalha de Caiboaté, Sepé Tiaraju morreu em combate, provavelmente numa emboscada. Depois disso, a história e a lenda se confundem: seu corpo nunca foi encontrado.



E onde entra Lúcio Costa?
Em 1937, o arquiteto Lúcio Costa (na época diretor de recém-criado SPHAN) foi convidado fazer o levantamento para preservação e recuperação das missões do Rio Grande do Sul, principalmente o sitio da igreja de São Miguel Arcanjo. Uma de suas propostas foi criar um museu para abrigar os objetos encontrados dispersos na região. Lucio Costa projetou o museu similar à casa missioneira, bem como se utilizou dos materiais das ruínas para construí-lo. Hoje o acervo abriga objetos e artes sacras conhecidas como “Barroco Guarani”, cuja representação ficou assim conhecida porque o rosto dos santos pareciam índios. Os índios (que aprendiam a esculpir com os padres) repetiam suas feições nas imagens. 

E olhando a maquete da organização da Missão observei que a ideia da cidade em cruz com uma organização social e urbana me lembraram muito a cidade que o próprio Lucio Costa projeto urbanisticamente (Brasilia).  Não posso afirmar se houve inspiração porque não vi nada registrado na história de Brasília, mas estou bem convencida dessa possibilidade.  
À noite é obrigatório ficar para o espetáculo e luz e som. A saga dos Guaranis e Jesuítas é narrada por vozes famosas (Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Paulo Gracindo, etc...) que interpretam os diversos personagens que são partes da memória.








Valter é um anjo e o mentor idealizador do Ponto de Memória, um projeto que emociona. Lá ele reúne objetos que fazem referência à história da região missioneira, seus habitantes e a presença de indígenas e imigrantes espanhóis. Um espaço mantido por ele com elementos e artefatos utilizados pelos que viveram lá entre os séculos XIX e XX, pós-expulsão dos jesuítas. Fui presenteada com uma aula de história e também com o ritual da Erva Mate. O local tem um espaço de casa de reza com todos os elementos para rituais de benzimento e purificação. “Água e fogo se juntam com a fumaça sagrada e aromas dos incensos”. Valter tem na sua memória os vários rituais indígenas que aprendeu com seus antepassados. Desde menino ele aprendeu a lidar com esses rituais.  
Finalmente descobri a origem do chimarrão e desse costume tão arraigado no Gaúcho: os guaranis já usavam a erva-mate na época que os espanhóis chegaram, juntamente com outras bebidas de efeito. 
O consumo tentou ser proibido pelos jesuítas, mas mudaram de ideia porque era melhor manter o consumo da erva-mate para descontinuar o consumo de bebidas alcoólicas pelos índios. Essa era uma bebida de coletividade e compartilhamento dos índios em rituais comunitários.  E vamos nos manter atentos, pois o Valter está ficando mais famoso: ele irá carregar a tocha olímpica na abertura das Olimpíadas junto com um Cacique, saindo das ruínas de São Miguel. Pensa num homem feliz?
Fechando o dia de cultura popular, dei uma passadinha na casa da D. Alzira, uma linda e simpática benzedeira da região que mantém viva a tradição e que sempre está de braços abertos..



E Como chegar nesse paraíso?
O acesso de ônibus é possível, de Porto Alegre até Santo Ângelo O ideal é fazer o roteiro completo das Missões que inclui Argentina e Paraguai, além do Brasil. A Missões Turismo,  do sr. Antonio Camargo oferece esse serviço com muita qualidade e simpatia. Ele mesmo é uma história viva. Cada minuto de prosa, uma vida inteira.
Mesmo de carro, fazer esse roteiro sem guia não vale a pena. A riqueza de detalhes da história é o ponto alto da viagem. Caso contrário, seriam só belas fotos.
É isso, meus amigos, o que encontrei nessa viagem tão perto e tão profunda de conhecimento?


A amplidão de céu, onde desfrutei da sensação de ter espaço (como em Brasília). Uma energia forte deixada pelos índios e um misticismo e devoção à natureza, onde o fogo é divindade e sagrado. Um encontro com a solidão ao caminhar e ouvir com perfeição o “nada” ou “meus pensamentos”, que se alimentam de descobertas. Encontrei muito chão, o que faz pensar nas várias opções de caminhos. E a melhor forma de traduzir essa viagem? Lembrando de uma frase que me foi presenteada e que não me sai da cabeça de jeito nenhum......“Sin Raízes no hay alas*”.

*esta frase, na verdade, é o nome de um livro que minha professora de flamenco e amiga Ana Medeiros me indicou há algum tempo. Essa busca pela história e pelas conexões faz parte desse livro que aborda as Constelações Familiares. Ainda não li o livro, mas essa frase não me sai da cabeça.

15 maio, 2015

sexta-feira, maio 15, 2015

CAMBARÁ DO SUL/RS - O Vento fala....

Amigos!
Como tem sido surpreendente desbravar o sul do nosso país.
 
Cambará do Sul soa como um romance/ficção de Érico Veríssimo que tão bem descreveu essa terra, seus encantos e magia. E parece mesmo saído de um livro essa região que surgiu quando os tropeiros a utilizam como pouso/descanso. O local, cheio de árvores de Cambará, com o tempo passou a se chamar Cambará e tornou-se uma cidade linda e típica da história do sul. Cambará (que fica ao Sul dos Aparados da Serra) é tão pequena e aconchegante (em torno de 6.000 habitantes) que a vontade é ficar para sempre. Protegida pelo padroeiro São José, é na praça “São José” (em frente à Igreja Matriz) que está a árvore Lunar. Uma Sequoia com uma história peculiar: essa árvore foi parte das mudas de Sequoias geradas em solo lunar a partir das sementes levadas por um dos astronautas na missão espacial da Apolo XIV, quando de sua viagem à lua, retornando à terra por volta de 1971. A Sequoia pode viver até 1000 anos e na época, o Prefeito Pedro Teixeira Constantino (in memória) conseguiu essa muda para a cidade e para a posteridade. Toda a cidade exala essa paixão pela preservação do meio-ambiente e ecologia, pregando um modelo de vida mais simples e mais humano.
A riqueza está na terra. A consciência das pessoas que vivem lá é muito além da nossa realidade nos grandes centros. E eles sabem que tem um “tesouro” nas mãos que somente agora está sendo descoberto pelas pessoas do mundo inteiro.
Além da calmaria típica e adorável, a cidade oferece excelentes opções gastronômicas. Para comer um delicioso galeto tem que ir ao Casarão com um vasto buffet no sistema de rodízio e um detalhe: a parte da salada é toda produzida pelo restaurante que tem uma horta no quintal!!!! À noite, a lareira, a sopa e o vinho do Zuppa são concorridíssimos. Melhor reservar. Um local descolado é A Taberna. A panqueca é de comer ajoelhado e o local é estiloso! E a delícia do clima??? Cambará do Sul é a 2ª. Cidade mais fria (só perde para São Joaquim em Santa Catarina) do Brasil. Conhecer tudo isso e ainda lidar com vento... ah!!!!...esse famoso vento de Cambará...
A história começa com uma “tal de” PANGEA!
Um único continente existiu há 200 milhões de anos durante a era Paleozoica formando uma coisa só, daí o nome: pan do grego = todo, inteiro e exprime a noção de totalidade, universalidade, formando um único bloco de terra (gea) ou Geia ou Gaia (mitologia) ou Ge como a Titã grega que personificava a terra com todos os seus elementos – PANGEA! Palavra que mais ouvi em Cambará... Depois de milhões de anos a Pangeia se separa em dois continentes que se deslocam em sentidos opostos. A parte correspondente à Antártida, América do Sul, África, Austrália e Índia, chama-se Gondwana e a outra parte era América do Norte, Europa, Ásia e o Ártico e se chama Laurásia.
 
Em algum momento Gondwana começou a "rachar" separando África e América Latina e os processos erosivos formaram os cânions que hoje conhecemos como os Aparados da Serra(Rio Grande do Sul e divisa com Santa Catarina). São mais de 36 cânions surgidos, contornados por partes da Mata Atlântica e outras pelos pinheiros de Araucárias. Em Cambará do Sul estão os dois Parques Nacionais: O Parque “Aparado da Serra” onde fica o famoso Canion Itaimbezinho e o Parque da Serra Geral onde fica o espetacular Canion Fortaleza.  Os Aparados da Serra são encostas que parecem ter sido cortadas à faca.
As ranhuras lembram muito rachaduras, mas de uma precisão impressionante. Itaimbezinho é um desfiladeiro onde percorremos 2 trilhas: a Trilha do Vértice (uns 2 km) e a Trilha do Cotovelo (uns 6 km), com a belíssima visão das duas cachoeiras: “Andorinhas” e “Véu de Noiva”. A trilha é fácil, agradável e impressiona os paredões do canion com aproximadamente 700m. Já em direção ao Parque Nacional da Serra Geral (uns 20 km de Cambará) encontramos o famoso e ensurdecedor cânion da Fortaleza.
São 7 km de extensão e paredões que chegam a 980m de altitude. A trilha exige um pouco mais de preparo. Subidas e descidas, travessia de rio e, ao chegar, a vista vale demais o esforço. Depois de muita contemplação e uma parada para presenciar o canion e o vento se engalfinhando como se estivessem brigando, hora de seguir a famosa trilha (bem mais complexa apesar de serem poucos 3 km) para a Pedra do Segredo que consiste numa pedra com a base bem afunilada apoiada numa outra pedra e que nunca se moveu. Parece que ela está literalmente equilibrada na outra pedra. Nem chuva, nem vento e nem gente conseguiu movê-la.
Chegar nesse local é mais difícil que chegar ao canion. E no caminho, alguém mais curioso pergunta ao guia: e qual o segredo da pedra do segredo? Hahaha... eis que o guia me sai com essa : - O segredo? É o equilíbrio....Parei...parei...parei... o guia me resume anos de terapia: o segredo é o equilíbrio!

 
E foi pensando na musica de Gilberto Gil “se eu quiser falar com Deus” que eu defino meu desbravamento “sozinha” numa região tão protegida, e quiçá... seja o Quintal de Deus...será que não foi aqui que Ele descansou no 7º. Dia?  Conhecer a força da natureza e os Cânions de Cambará do Sul foi exatamente como diz a musica:
““... E se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Eu tenho que subir aos céus
Sem cordas prá segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar!” 
 

 

Coisas especiais de Cambará do Sul
Além de toda essa riqueza natural, Cambará tem anjos que estão aqui e ali. Eis que conheci o “seu José”... um italiano muito brasileiro que se emociona cada vez que começa a falar de suas crenças na ecologia, na terra e mãe natureza. Homem de fala mansa, sorriso acolhedor, olhar detalhista e um grande construtor e idealizador do projeto Quintais de Cambará.
Ao todo são 7 projetos (Trilha Vale das Bromélias e Sapecada do Pinhão – EcoCambará, Show Folclórico com Churrasco no Rancho Cabotiá (churrasco na vala), Tiro de Laço e Tradições Gaúchas, Fazenda Cascatas dos Venâncios (mini Foz do Iguaçu), Contação de Causos Gaúchos e Culinária Gaúcha Tradicional, Artesanato Kantu Kente (lã natural, roca e tear) e Sítio Querência Macanuda.

O Cambará EcoHotel e a Trilha das Bromélias é um desses projetos que recebe, acolhe e ensina pela paixão do “seu José”! Ele é o guardião dessa riqueza e logo no primeiro encontro nos conduz a uma trilha (dentro do perímetro do hotel) proporcionando uma aula de geologia, biologia, história, cultura, ecoturismo e por aí vai... a vontade é nunca mais largar o “seu José”. O Cambará EcoHotel é o primeiro da região planejado no conceito de sustentabilidade, 100% não fumante, captação e água de chuva, aquecimento solar, área de preservação ambiental, separação de lixo seco e orgânico, cobertores feitos com fibras de garrafas pet, enfim...tudo é possível nesse hotel.
Na região do hotel tem mata particular de araucárias e um lago delicioso para contemplação e relaxamento. Uma sala ecumênica no alto do monte permite uma interação maior com nossas crenças. “Seu José” nos leva a um mundo sonhado, idealizado e distante, mas que em Cambará já é realidade. No final da caminhada ele nos agracia com uma sapecada de pinhão, degustação de grappa e cachaça. O outro projeto dos Quintais que conheci é o Artesanato Kanto Kente que surgiu a partir dos costumes das famílias de tecerem suas próprias vestimentas em lã de ovelha, por causa das baixas temperaturas dos invernos. É um abraço se vestir com essa lã e prestigiar as senhoras que a produzem. Impossível sair de lá sem alguma coisa “quentinha” e não lembrar da série “A Casa das 7 Mulheres” (que foi feito em Cambará). E, para fechar com chave de outro, “Sabores daQuerência”  que sempre de bom humor recepciona cada “passante” para falar de suas frutas exóticas cultivadas de forma orgânica, sem produtos químicos ou agrotóxicos. Framboesas, amoras, mirtilos, phisalis, tudo produzido no local. 

 A degustação das geleias e antepastos é um tempo de esquecer. Sem pressa. Saímos de lá carregados de geleias e o melhor é que os produtos podem ser comprados por internet. Eles têm clientes no mundo todo! Bom... só deu tempo de conhecer 3 projetos....ainda faltaram 4  projetos que me esperam em Cambará!
 
E como chegar nesse paraíso? A melhor forma é de carro mesmo e a estrada é boa. Eu me aventurei ir de ônibus, saindo de Porto Alegre, mas como a cidade ainda não tem muito contingente de pessoas indo para lá, os horários são bem complicados e arriscados. A empresa CITRAL tem alguma logística. Claro que por ser um paraíso, não pode ser tão fácil de chegar né? Mas a peregrinação vale a pena!
E a agência/receptivo “Guia Aparados da Serratem um carinho e atenção bem bacana com o turista, sempre dando detalhes e com muito cuidado com os turistas. Para quem quer um pouco mais de facilidade, essa agência oferece pacotes completos (transfer e passeios), saindo do aeroporto ou de Porto Alegre.
É isso povo! Este ano estive no paraíso de Pipa (RN) que (com seu calor e natureza) me fez PARAR e agora fui ao extremo sul (RS), cujo frio e a vento, me fizeram SEGUIR ...olha...tem sido uma aventura ir aos extremos, mas como bem disse o “mago” guia de Cambará: o segredo é o equilíbrio! E para chegar lá...tem que ir nos extremos!
 
 

 

Andrea Pires

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