15 abril, 2013

PORTO ALEGRE – RS – Para onde os ventos flamencos levam...

Fossem ciganos a levantar poeira
A misturar nas patas
Terras de outras terras, ares de outras matas
Eu, bandoleiro, no meu cavalo alado
Na mão direita o fado
Jogando sementes nos campos da mente
E se falasses magia, sonho e fantasia
E se falasses encanto, quebranto e condão
Não te enganarias, não te enganarias
Não te enganarias, não!
Feitiço, transe, viagem, alucinação
Ney Matogrosso
Entrei no tablado, olhos profundos, sorriso largo, Juan parecia estar em casa. Os ciganos estão em casa quando são livres e podem ser o que realmente são. A primeira coisa que me veio a cabeça foi a musica do Ney Matogrosso...porque eu o vi assim... Fossem ciganos a levantar poeira, a misturar nas patas, terras de outras terras, ares de outras matas..... na mão direita o fado,  jogando sementes nos campos da mente..... e é assim que começa essa viagem.... feitiço, transe, viagem, alucinação....
O destino teve como pano de fundo, Porto Alegre – RS.... era uma vez...pessoas apaixonadas pela arte flamenca....no Brasil.....
A proposta era fazer um Workshop de Flamenco com o grande bailaor Juan Manuel Fernández Montoya – Farruquito. Programação intensa de 4 dias que foi decidida com 1 mês de antecedência. Seguimos para Porto Alegre.  A rotina era simples: 2 horas de aula com o maestro Farruquito e ver seu show Abolengo. Simplificamos tudo e ficamos num hotel no centro da cidade perto do local das aulas e do Centro Histórico. O hotel POA Residence é espartano e recomendo com muita segurança pela localização, atendimento e limpeza. Nas horas vagas tivemos a chance de conhecer locais que remetem a uma colonização muito diferente do centro e nordeste do país. Inclusive (creio eu) que pela proximidade com Argentina, a arte flamenca tem muitos adeptos, sendo Porto Alegre uma referência de escola e artistas flamencos. Isso sem deixar de citar a acolhida, educação e simpatia do povo Gaúcho.
 
 
 
 
 
 
  
 
 
Que encanto! Em 3 dias conhecemos o Centro histórico, a Praça da Matriz, passamos pela Catedral e fomos ao Teatro São Pedro, tudo isso numa tacada só. No dia seguinte fomos caminhar no Parque Farroupilha e nos deparamos com uma infinidade de atrações da natureza, com árvores centenárias e nativas. Um espaço aberto (esse parque não é cercado!) e um exemplo de conservação e beleza, desde 1935. No 3º. Dia, seguimos para o Mercado Público que fica num prédio de estilo neoclássico (1869). O Mercado oferece de tudo e a vontade é de sentar num dos restaurantes e ficar observando o vai e vem frenético das pessoas.
Seguimos para a Casa de Cultura Mario Quintana que fica no prédio do antigo Hotel Magestic que me pareceu ter sido super badalado na época (1910 a 1933). A parada merecida no 7º. andar para um almoço ou café é reconfortante. O Café Santo de Casa parece um abraço de Quintana. E para complementar, descobrimos Bauru e a Pizza de panela do Pedrini, desde 1960. Turismo rápido, de altíssima qualidade e engrandecedor!!!! Tempo suficiente para nos apaixonar pela cidade.
 
 
A desbravadora....Andressa Porto
 
Esse evento (Woskshop e Show) foi encampado pela Andressa Porto...gente ...essa garota vai longe. Ela “simplesmente”, saltou no escuro debutando com uma produção desse porte. Que organização e simplicidade. Ela agitava tudo em parceria com o Tablado Andaluz  e apoio dos simpatizantes de flamenco da região. Conseguiu não só mobilizar o povo local, mas pessoas de São Paulo e Brasília...imagina a força dessa garota. Ela fez com que tanto a equipe de produção do Farruquito quanto os participantes estivessem à vontade e com vontade! Me impressionou ela levar o show Abolengo para o melhor teatro de Porto Alegre - Bourbon Country e lotar a casa num domingo à noite. Andressa, incansavelmente, estava todos os dias nas entrevistas, nas aulas e nas noites do tablado. Lindíssima, mostrou que não existe impossível, ela me seduziu com sua coragem desbravadora, a despeito da experiência conquistada em tempo real. Andressa não só foi onde o flamenco leva, como trouxe a magia do flamenco para muitos que não conhecem.  Se ela tem origem cigana? Não sei, mas sua alma não nega....conquistou respeito e admiração de todos. Ela realizou um sonho. 
 
O Tablado Andaluz e a espirituosidade flamenca de Andréa, Robinson e Pedro
 
Andréa Franco, Robinson Gambarra e Pedro Fernández não são desse mundo! Eles são a base e a crença de que um sonho é factível. Todos são flamencos de alma, coração e vida. Administram o Tablado Andaluz, não só como um negócio, mas como suas próprias vidas...leveza, alegria e paixão....Há mais de 20 anos eles trouxeram os ventos flamencos para nós...um pedaço de Andaluzia no Brasil. Quando entrei no Tablado pela primeira vez, senti que era uma outra dimensão e que é mais que possível criar mundos  reais a partir de sonhos e paixão. O local foi Inspirado nos antigos Tablados da Andaluzia, que foram fundamentais para a sobrevivência e surgimento da Arte Flamenca.  Passando por aquela portinha estreita, entramos num mundo que só quem foi a Andaluzia entende. 
Ambiente rustico e real, gastronomia surpreendente e shows de flamenco. Além das aulas serem lá, no finalzinho da tarde, várias pessoas se revezam na organização da “fiesta” da noite. E quando a noite chega, Andréa (que também estava nas aulas com o maestro), segue para o restaurante, à vista dos clientes que se deliciam com as sangrias, e prepara a Paella que tanto encanta. Clientes esses que muitas vezes vão ao local para experimentar uma gastronomia típica e saem de lá transformados como se tivessem viajado para Andaluzia E não acaba aí....Pedro e convidados fazem shows de flamenco para os clientes e tudo acaba com uma buleria  fantástica....impossível não amar essa experiência. E antes das aulas, Farruquitoe equipe estiveram despojadamente assistindo TV no meio do salão, com as cadeiras em cima das mesas ainda e em algum canto, Román (o grande guitarrista) dedilha sua guitarra....e a vida segue....cada conversa...uma vontade imensa de aprender mais e mais....e Andréa e Pedro abrem as portas arando esse solo que anseia por flamenco. O grande presente da noite de sábado, ao final da apresentação de Pedro e convidados que finalizavam com a buleria e inesperadamente Farruquito e equipe sobem ao tablado e nos encanta com sua participação elegante e jocosa (como tem que ser a buleria), original e de raiz. E, buleria, minha gente, é festa de família...daí a certeza de que ele realmente sentia-se em casa...e todos que assistiam se emocionaram e sentiram-se prestigiados pela “cumplicidade” de Farruquito.  
 

Eu e Giovana Teles...levadas pelos ventos flamencos
O que a gente estava fazendo lá? Não sei!


A participação em massa era de professores de flamenco que tem suas escolas próprias ou de alunos locais...mas sair de Brasília para Porto Alegre por mera Paixão por 4 dias? Bom...até agora não consegui explicar nem para mim mesma...só sei explicar que os ventos flamencos estão me levando cada dia para mais longe daqui e mais perto de mim....
A Giovana ainda conseguiu programar uma matéria para GloboNews com o maestro Farruquito.  Que garota de aire...a aprendiz entrevistando o maestro e ela sabia tanto quanto ele...e ele ficou encantado...e os bastidores dessa entrevista foi uma experiência de “novos amigos” : a equipe (supersimpática da RBS) estava tendo o 1º. contato com essa arte e todos se envolveram com a simplicidade e cumplicidade de Farruquito e Román Vincenti(o grande guitarrista) ...Giovana Teles, essa moça,  tem aire flamenco, glamour profissional e inteligência incomparáveis , sabendo claramente o que quer e como quer... e está determinada a disseminar essa arte ainda desconhecida no Brasil. Na entrevista,  Giovana aborda se ele acredita que  el duende” (estado de torpor e transe que alguns vivenciam quando cantam ou bailam flamenco) realmente existe...e a resposta dele foi simples e direta....“El duende” (se existe) te encontra e não é você que encontra ele. Quando se está preparado, ele aparece. Hay que bailar com el corazón y alma. E numa tarde nos apaixonamos por Juan e sua história!

E os ventos flamencos trouxe Juan Manuel Fernández Montoya – Farruquito
Juan (Farruquito), é filho do cantaor Juan Fernández Flores, El Moreno e da bailaora Rosario Montoya Manzano, la Farruca . Ele é neto de uma lenda da história flamenca: Farruco que deixou o legado da disciplina e da técnica e que levou a arte flamenca para o mundo com suas inovações e passos únicos. A família Farrucos tem 3 gerações que representam os ciganos e sua história. Farruquito e seus irmãos Farru  e Carpeta são uma herança legitima de flamenco gitano. Toda sua história é escrita pelas mãos da arte flamenca mais pura. Ele começou no mundo internacional aos 5 anos na Broadway no espetáculo Flamenco Puro, com sua família e com os mais nobres e legendários do Flamenco. No filme de Carlos Saura – Flamenco (1995), apresenta junto com seu avô – Farruco uma belíssima e emocionante Soleá. E em outro filme do mesmo Saura – Flamenco, Flamenco (2009)  – ele emociona com um sapateado maravilhoso que seguramente estava a bailar imaginariamente com seu avô (que já havia falecido nessa época), pois a emoção que as câmeras conseguem passar, mostram uma reverência e uma gratidão em ser cigano e neto de Farruco  Então foi assim, quando vi aqueles olhos, entendi seu baile. Tudo em Farruquito tem paixão, tem a passionalidade gitana, tem suor e tem leveza, tem rusticidade e elegância, tem sedução e tem um ar paterno de quem tem sempre algo a explicar sobre o baile e seu avô...Farruco. 
 
A escola funciona no mesmo local do restaurante (Tablado Flamenco) e é uma referência nacional de escola da arte flamenca. O talento e a simpatia de Pedro e suas aulas formam e educam para quem quer vivenciar essa arte. E ele dança e canta! E foi nesse local que tive as aulas com Farruquito. Vi de perto e senti a emoção de seus olhos e seus movimentos. Indescritível observar cada centímetro de seu corpo bailando flamenco e ele faz como se estivesse num tablado, não somente os movimentos corporais, mas o que chama muita a atenção, como ele baila com os olhos. Ele tem um gesto próprio de “levar a mão direita ao coração” em movimentos curtos, simulando o bater do coração...ele dança com a alma....e quando termina uma sequencia de passos eletrizantes...é como se estivesse agradecendo a explosão. Finaliza com uma elegância sutil e própria, estendendo os braços ao alto como se quisesse abraçar o mundo...uma devoção e adoração pelo avô que é reverenciado a cada momento, seja com uma história engraçada, seja com o baile de seus netos, que que nos mostra a moral e ética do patriarca e seu legado de luta e originalidade flamenco cigano.
E como não se lembrar da participação de Román Vincenti nas aulas, que embalava as sequencias com os rasgueios de sua guitarra e suas risadas e graça com Farruquito?  Uma sintonia e intimidades com uma graça, típicas dos ciganos. E Jesus Lumbreras, o grande protetor que se colocava de longe a observar, mas se fazia presente e sempre “listo” com sua simpatia e grande conhecimento da musica brasileira. Juan não só nos deixou apaixonado pelo seu baile e sua história, como nos encantou com sua equipe. Ele é a prova de que pessoas boas atraem pessoas melhores ainda. Gracias Jesus, gracias Román... E finalmente...estávamos nós felizes, emocionadas e com os pés destruídos (ou vejo asas brotando?)...e com a certeza que se houvesse a chance...seguiríamos essa caravana para qualquer canto do mundo.
 
A despedida...
Abolengo...significado  de abuelo, ascendência de abuelos o antepassados, ascendência ilustre...
E Abolengo, um show que homenageia seus antepassados, surpreende com a participação da grande Karime Amaya, neta de Carmen Amaya. A cada instante do show, um suspiro de saudade... ela com seu bailado pessoal, como se estivesse num transe e dançando para seus antepassados, e ele numa felicidade ímpar, explodindo para a plateia suas crenças e sua paixão. Diferentes e sobreviventes. E naquela noite Farruco e Carmen Amaya estavam lá e reuniram um povo para lembrar sua história. Tive um sopro de percepção de que Abolengo foi concebido para isso, proporcionar instantes de lembranças.... e se existe esse povo foi separado, ele encontrou em Porto Alegre.....naquele instante...e no final de tudo isso.....senti um significado para a  musica de Ney Matogrosso que desde criança me fascina... Fossem ciganos a levantar poeira, a misturar nas patas, terras de outras terras, ares de outras matas. ......jogando sementes nos campos da mente... e foi assim que fiz mais essa viagem....e dessa vez, não estava sozinha....estava entre os meus....entre los abuelos!
 

 

Um comentário:

  1. ...mas sair de Brasília para Porto Alegre por mera Paixão por 4 dias?"

    E você não consegue explicar prima??? A explicação está em uma única palavra: PAIXÃO. Essa sim, move montanhas, encurta distâncias e nos faz feliz. E ela vai te levar até onde seus coração quiser. Bjs..., amei o texto.

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Agradeço por seu comentário.

Andrea L. Pires
Com Salto e Asas

Andrea Pires

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